
Casa da Mulher Paulista
Secretaria de Políticas para a Mulher/Divulgação
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou nesta quinta-feira (18) um inquérito civil para apurar a possível falta de políticas públicas de combate à violência contra a mulher no estado de São Paulo, diante do aumento dos casos de feminicídio em 2025. A investigação foi aberta pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), que quer verificar se houve omissão do poder público na proteção da vida e da segurança das mulheres.
De janeiro a outubro deste ano, 207 mulheres foram assassinadas no estado, um crescimento de 10,1% em relação ao mesmo período de 2024, segundo dados oficiais. A capital paulista concentrou o maior número de casos: 53 feminicídios, o maior índice já registrado. Esses números não incluem tentativas de assassinato, como o caso da mulher que teve as duas pernas amputadas após ser atropelada e arrastada na Marginal Tietê.
Entre os pontos investigados está a suposta redução de verbas destinadas à Secretaria de Políticas para a Mulher e às Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs). Informações levadas ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) pela deputada federal Erika Hilton indicam que teriam sido cortados R$ 5,2 milhões das delegacias e que a proposta orçamentária para a Secretaria da Mulher em 2026 seria 54,4% menor do que 2025.
A Secretaria da Mulher foi uma promessa de campanha feita por Tarcísio de Freitas (Republicanos) nas eleições de 2022, com diretorias estruturadas para administrar temas como saúde da mulher, combate à violência e empreendedorismo.
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Diante disso, o MPF enviou ofícios ao governo do estado e à Prefeitura de São Paulo solicitando esclarecimentos sobre os orçamentos previstos e executados em 2025, além das estruturas e equipamentos disponíveis para o atendimento às vítimas. O órgão também requisitou dados à Secretaria estadual de Segurança Pública sobre a capacitação de policiais para atendimento humanizado em casos de violência doméstica.
O inquérito também apura se a prevenção da violência contra a mulher e a defesa dos direitos humanos estão sendo abordadas na rede pública de ensino, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Para isso, o MPF encaminhou ofícios às secretarias de Educação do estado, do município e ao Ministério da Educação.
Segundo o MPF, a proteção dos direitos das mulheres é dever do Estado brasileiro e está prevista na Constituição Federal e em tratados internacionais. O órgão lembra ainda que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Maria da Penha, o que resultou em recomendações para o fortalecimento das políticas de enfrentamento à violência de gênero.
Governo diz que enviará informações e destaca investimentos
Em nota, o governo do estado de São Paulo informou que foi notificado pelo MPF e que prestará os esclarecimentos dentro do prazo estipulado. A gestão afirma ter adotado, desde 2023, uma política intersecretarial inédita para garantir segurança, saúde e autonomia financeira às mulheres, com ações integradas entre áreas como Segurança Pública, Saúde, Desenvolvimento Social, Educação e a Secretaria de Políticas para a Mulher.
Segundo o governo, o modelo integrado ampliou o volume total de recursos destinados às políticas de proteção. A administração afirma que, em 2025, a Secretaria de Políticas para a Mulher empenhou R$ 22 milhões, dos quais R$ 15 milhões já foram executados, e que a proposta orçamentária para 2026 prevê R$ 16,5 milhões, valor que, segundo o estado, representa um aumento em relação ao previsto inicialmente em 2025.
Na área da segurança pública, o governo afirma que os investimentos em ações específicas de proteção à mulher cresceram 231,4% entre 2023 e 2025, em comparação com o mesmo período da gestão anterior. As Delegacias de Defesa da Mulher passaram a integrar programas mais amplos de atendimento a públicos vulneráveis, com previsão de R$ 468,3 milhões para 2026, segundo a nota.
A gestão estadual também destaca a ampliação das DDMs e Salas DDM 24h, o uso de tornozeleiras eletrônicas para monitorar agressores, o aplicativo SP Mulher Segura, o auxílio-aluguel para vítimas de violência doméstica, além da criação das Casas da Mulher Paulista e de programas voltados à autonomia financeira.
O MPF seguirá analisando as informações solicitadas para avaliar se as políticas públicas adotadas são suficientes para conter o avanço da violência contra a mulher no estado.
Execução do orçamento
A gestão Tarcísio executou 28% do orçamento previsto em 2025 para a Secretaria de Políticas para a Mulher do Estado de São Paulo até o mês de setembro. Dos R$ 38,2 milhões disponíveis, apenas R$ 10 milhões foram efetivamente liquidados — ou seja, transformados em despesas pagas ou em processo de pagamento — até o dia 03 de outubro, segundo dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento.
Dados da Secretaria da Fazenda mostram também que a pasta começou o ano com R$ 36,2 milhões aprovados na Lei Orçamentária Anual, um corte de mais de 50%, quando comparado com o valor disponibilizado em 2024.
A promotora de Justiça do Ministério Público (MP) de São Paulo e titular da Promotoria de Enfrentamento da Violência Doméstica do MP-SP, Fabíola Sucasas, destaca ser "um grande desperdício ter o orçamento e ele não ser utilizado quando há a possibilidade de você criar programas importantes para isso".
"Nós temos muitos problemas, senão nós não teríamos os piores índices de feminicídio da história do Brasil", afirma.
"Se a pasta tiver orçamento, ele precisa ser executado. Para capacitação, para criação de programas, cujos recursos podem ser obtidos para contribuir com outras secretarias."
Em nota, a Secretaria de Políticas para a Mulher diz que "a maior parte da execução está prevista para o segundo semestre, quando serão concluídas licitações e outros procedimentos de planejamento como o chamamento da Carreta de Odontologia, Espaço Mulher na Estrada, Espaço Maternidade, Observatório da Mulher Paulista (com a UNESP) e repasses para o atendimento psicológico nas Casas da Mulher Paulista".
A pasta é responsável por programas como o Empreenda Mulher e o Emprega Mulher, cujo objetivo é promover a inclusão e permanência de mulheres no mercado de trabalho, em linha com a Lei Federal n.º 14.457/2022 — que trata de apoiar e combater o assédio.
Em 2025, a área sofreu cortes. Os dois principais programas receberam dotação de R$ 10 milhões, mas os valores foram reduzidos pela metade: R$ 5 milhões para empregabilidade e R$ 6 milhões para enfrentamento à violência. Segundo dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento, nenhum recurso chegou a ser investido em ações ou gastos administrativos até agora.
Enquanto isso, casos como o de Joana, nome fictício, de 26 anos, mostram os impactos da falta de investimento e acesso a políticas públicas. Vítima de violência doméstica, ela era proibida de trabalhar fora de casa e sofreu agressões constantes do ex-companheiro, com quem teve duas filhas.
Ela afirma que só conseguiu romper o ciclo de violência com apoio de uma ONG.
“Sabia que existiam programas [do estado], mas não conseguia acessar. Foi uma instituição [não governamental] que me acolheu e intermediou o contato com um equipamento público, e então consegui atendimento para fugir dessa situação.”
Até setembro, 53,4% do valor pago estão concentrados em folha de pagamento e contratos de serviços com terceiros. Considerando-se apenas salários, foram pagos R$ 2,9 milhões. Nos contratos com empresas, o valor liquidado foi de R$ 2 milhões.
Áreas como materiais de consumo (R$ 10 milhões previstos) liquidou R$ 34 mil e subvenções sociais (R$2,6 milhões) executou R$ 805 mil.
🔍As subvenções sociais são auxílios financeiros do governo destinados a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos para apoiar atividades de caráter social.
Os auxílios — que são transferências de capital para projetos e investimentos específicos — apesar de previstos R$ 600 mil, não houve nenhum valor reservado ou gasto na área.
Já nos investimentos em equipamentos, foram liquidados cerca de R$ 688 mil dos R$ 6,5 milhões previstos.
Comparação com outros órgãos
Em janeiro deste ano, o governo publicou o decreto nº 69.319/2025, que estabelece as diretrizes para a execução orçamentária e financeira ao longo de 2025 — ou seja, define como os recursos públicos estimados na Lei Orçamentária Anual devem ser aplicados.
A programação orçamentária revela as prioridades do governo. Órgãos como a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça Militar e o Tribunal de Contas do Estado, entre outros, não tiveram nenhum valor congelado. Todos os recursos destinados a essas instituições foram integralmente liberados.
Em contrapartida, a Secretaria de Políticas para Mulheres tem enfrentado cortes sucessivos e investimentos mínimos — quando não inexistentes — para ações que promovam políticas e defesa da mulher.
Segundo a proposta orçamentária anual aprovada pela Assembleia Legislativa para 2024, a dotação da pasta foi de R$ 24.249.179,00. Já em 2025, esse valor foi para R$ 36.206.795.
Apesar da existência da Secretaria de Políticas para a Mulher, a promotora Fabíola Sucasas aponta que a pasta ainda não cumpre plenamente seu papel de coordenação e articulação com outras áreas do governo, como a Secretaria de Segurança Pública.
“É óbvio que o orçamento da Delegacia de Defesa da Mulher não é executado pela Secretaria da Mulher. Mas isso não anula a responsabilidade da pasta em fomentar esse tipo de serviço”, afirmou.
E emendou: "A cidade de São Paulo tem nove Delegacias de Defesa da Mulher, nós sabemos que essas delegacias não são suficientes para atender o número de mulheres que moram na cidade. Aí você pergunta: 'Por que no estado de São Paulo há municípios que têm ampliado essas delegacias de defesa da mulher e na capital, não? Quem deve problematizar isso é a Secretaria da Mulher. É uma atuação de coordenação".
A promotora ressalta a natureza transversal da secretaria, com programas realizados por outras pastas. "Porque como as políticas voltadas para as mulheres são transversais, faz parte da segurança, faz parte da habitação, assistência, acaba exigindo um preparo também de cada pasta reservar orçamento para essa finalidade."
"Eu não sei se a Secretaria de Políticas para a Mulher está fazendo esse papel, se eles estão absorvendo isso. Me parece que não, que o papel deles é de coordenação. Inclusive, eles não teriam um orçamento robusto porque o papel seria esse mesmo", diz.
Sucasas também ressalta a ausência de dados claros sobre como os recursos são utilizados e quais programas estão sendo efetivamente implementados.
Um exemplo citado é o programa Não se Cale, que ainda não está presente em todos os territórios de São Paulo, apesar de haver verba prevista para sua expansão. A falta de transparência também dificulta a fiscalização e mensuração dos resultados, segundo ela. “Quantas entidades já passaram pelos cursos do Não se Cale? Qual é a fiscalização que tem sido feita? Eu não sei”, lamentou.
A ausência de ações efetivas é vista como um desperdício de recursos, especialmente diante dos altos índices de violência contra a mulher. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo registrou um aumento preocupante nas tentativas de feminicídio, passando de uma média nacional de 19% para mais de 50%.
“Falta medida preventiva. Não basta ter um aplicativo [como o SP Mulher Segura] para a Polícia Militar atender à demanda. É preciso mais articulação, mais serviços e mais transparência sobre como o orçamento está sendo usado para proteger as mulheres."
Vítimas
O governo de São Paulo informou ao g1, em 2024, que a Secretaria de Políticas para a Mulher destinaria R$ 20 milhões a projetos de saúde, empregabilidade e combate à violência contra a mulher.
A pasta é responsável por programas como o Empreenda Mulher e o Emprega Mulher, cujo objetivo é promover a inclusão e permanência de mulheres no mercado de trabalho, em linha com a Lei Federal nº 14.457/2022 — que trata de apoiar e combater o assédio.
Em 2025, porém, a área sofreu cortes. Os dois principais programas receberam dotação de R$ 10 milhões, mas os valores foram reduzidos pela metade: R$ 5 milhões para empregabilidade e R$ 6 milhões para enfrentamento à violência. Segundo dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento, nenhum recurso chegou a ser investido em ações ou gastos administrativos até agora.
Enquanto isso, casos como o de Joana, nome fictício, de 26 anos, mostram os impactos da falta de acesso a políticas públicas. Vítima de violência doméstica, ela era proibida de trabalhar e sofreu agressões constantes do ex-companheiro, com quem teve duas filhas.
“Eu não podia trabalhar e dependia dele para tudo. Tentei pedir ajuda, mas não tinha amigos, porque ele não permitia, e parte da minha família tinha medo dele”, contou.
Ela relata que encontrou obstáculos mesmo ao procurar ajuda policial. “Na delegacia, fui desmerecida e não me deixaram registrar boletim de ocorrência na primeira vez. Na segunda, mandaram eu voltar para casa. Quando retornei, apanhei muito”, lembra.
Joana afirma que só conseguiu romper o ciclo de violência com apoio de uma ONG. “Sabia que existiam programas [do estado], mas não conseguia acessar. Foi uma instituição [não governamental] que me acolheu e intermediou o contato com um equipamento público, e então consegui atendimento para fugir dessa situação.”
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O que diz a Secretaria de Políticas para a Mulher
"O Governo de São Paulo, desde o início da atual gestão, tem promovido um amplo processo de modernização da administração pública, conduzido a gestão dos recursos públicos com responsabilidade, em linha com as diretrizes do plano São Paulo na Direção Certa. Os dados refletem estas escolhas, que preservam a capacidade de investimento e asseguram a manutenção de áreas essenciais como saúde, educação e segurança.
Do total de R$ 36 milhões previstos na LOA para a Secretaria da Mulher, o governo manteve R$ 15,8 milhões após o contingenciamento. Até o momento está empenhado o valor de R$ 12 milhões, cerca de 76% do valor disponível. (Consulta em https://www.fazenda.sp.gov.br/SigeoLei131/Paginas/FlexConsDespesa.aspx)
O índice reflete as etapas administrativas necessárias (planejamento técnico, licitações e formalização de parcerias) para garantir legalidade e qualidade na implementação das ações. A maior parte da execução está prevista para o segundo semestre, quando serão concluídas licitações e outros procedimentos de planejamento como o chamamento da Carreta de Odontologia, Espaço Mulher na Estrada, Espaço Maternidade, Observatório da Mulher Paulista (com a UNESP) e repasses para o atendimento psicológico nas Casas da Mulher Paulista."
O que disse o governo em fevereiro deste ano:
"Em 2024, a Secretaria de Políticas para a Mulher não utilizou recursos próprios para investimentos, pois é uma pasta transversal que atua como articuladora de políticas públicas, identificando necessidades e coordenando programas com outras Secretarias e órgãos do Estado. A pasta garantiu a execução de projetos estratégicos por meio de emendas parlamentares.
As ações incluíram a execução dessas emendas, o custeio da Carreta do Empreendedorismo para ampliar a capacitação feminina e a contratação de cursos em parceria com o SENAC para qualificar mulheres profissionalmente. A Secretaria mantém o compromisso com a eficiência na aplicação de recursos e o desenvolvimento de políticas públicas que fortaleçam a mulher no Estado de São Paulo.
Em 2025, a Secretaria de Políticas para a Mulher de São Paulo investirá R$ 20 milhões em projetos para saúde, empregabilidade e combate à violência contra a mulher.
A Secretaria investirá na expansão dos Espaços Maternidade junto a estações de trem e metrô, garantindo suporte a mães e filhos. Também equipará 20 Casas da Mulher Paulista, fortalecendo o atendimento a mulheres vulneráveis. Além disso, lançará uma plataforma no portal MULHER.SP.GOV.BR com cursos e oportunidades, aprimorará as Carretas da Mamografia e do Empreendedorismo, e promoverá campanhas de conscientização e prevenção à violência contra a mulher.
A oferta de vagas em abrigos temporários, parcerias com universidades para suporte psicológico especializado e a implementação do Observatório da Mulher Paulista, em parceria com a UNESP, para monitoramento e formulação de políticas públicas baseadas em dados também estão entre as ações.
Além disso, R$ 6,518 milhões de emendas impositivas serão destinados a projetos em parceria com Organizações da Sociedade Civil (OSCs), Prefeituras Municipais e iniciativas de fortalecimento das políticas públicas de proteção e promoção dos direitos das mulheres.
A SP Mulher reforça seu compromisso com ações eficazes e transparentes, que impactam a vida das paulistas".
*Sob supervisão de Cíntia Acayaba